O ator baiano Jorge Washington fala de sua trajetória no teatro local, das dificuldades e das conquistas no Bando de Teatro Olodum
Por Daiane Rosário punlicado em Revista Lupa
O Ator Jorge Washington iniciou a carreira no grupo de teatro do Calabar, bairro situado em Salvador. Em 1978, integrou a turma do Curso Livre de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Prestes a desistir por questões de identificação social e racial, leu em um jornal que o diretor teatral Márcio Meireles havia se juntado ao Olodum para montar um grupo de teatro negro pautado na cultura afro-baiana. Começa aí a trajetória que consagra a carreira de Jorge Washington no cenário local e nacional com o Bando de Teatro Olodum, grupo que formou e continua formando grandes atores baianos (a exemplo de Lázaro Ramos) e é responsável por uma das maiores movimentações artísticas no estado, pautando o cotidiano da população negra de Salvador. O grupo ficou conhecido nacionalmente com o filme e a serie Ó Paí Ó. Hoje pai, marido e ator, Jorge acredita que ficar em Salvador, lutando para fortalecer o teatro local é um ato de resistência.
Como é seu cotidiano fora dos palcos?
Eu, fora dos palcos, sou funcionário público do Ministério da Saúde há 36 anos. Cuido da minha filha Carina, trabalho pela manhã e quando não estou trabalhando estou sempre com ela e minha esposa, Renata. Gosto muito de ir para seminários e encontros do movimento negro, porque a militância também é uma atividade de lazer, lugar onde encontro os amigos e coloco o papo em dia.
Como começou sua vida artística e quando sua história se cruza com a do Bando de Teatro Olodum?
Bom, na minha adolescência eu fiz de tudo um pouco, eu era modelo. Sempre participei de grupos de atividades lúdicas. Agora o teatro foi meio que um acaso, eu frequentava o grupo de teatro que tinha na comunidade do Calabar, coordenado pelo professor Fernando Conceição. Esse trabalho no Calabar me instigou a buscar mais. Em 1988, vi que estava aberta à inscrição para curso livre de teatro da UFBA.
Esse curso foi muito importante na minha formação. Me deu um olhar que eu não tinha do teatro, dança, bastidores, maquiagem, cenário. Mas havia uma questão muito séria que eu sentia falta nesses cursos, eu não via questões que remetessem ao teatro que fazíamos no Calabar, onde se falava das questões da comunidade. Era um teatro muito comercial, muita comédia, muito drama, mas nada que retratasse a Bahia como ela é. Isso foi me dando um desespero e eu já estava quase desistindo. Um dia, abri o jornal e vi que o Olodum, junto com Márcio Meireles, estava montando um grupo teatral, já falei isso duzentas vezes, mas é porque foi um marco mesmo. O primeiro espetáculo “Essa é a nossa Praia”, ensaiávamos ao lado da Faculdade de Medicina. A pesquisa para os personagens era feita na rua, a ideia de Márcio era criar um auto de natal com três Marias e três Josés.
As atrizes tinham que pesquisar as Marias da comunidade, as vendedoras de acarajé, as prostitutas e comerciantes na região do Pelourinho, antigo Maciel. Era uma coisa muito viva. Quando o espetáculo estreou foi um boom na comunidade baiana. Muito palavrão, muita dança, suingue. Isso chamou atenção de alguma forma. Logo depois veio Ó Paí Ó com a mesma linguagem, só que em convívio familiar, dentro de casa. O envolvimento que alguns membros do Bando tinham com movimento negro deu caldo para combatermos a racismo também através dos palcos.
Como é viver de teatro na Bahia? Os palcos garantem sua sobrevivência no estado?
Sem chance. Algumas pessoas vivem exclusivamente de teatro, mas é muito difícil, tem vários fatores que implicam nisso. Se você tem uma família que dá um amparo, que entende e respeita sua vontade de estar lá e fazer aquilo, você vive do teatro. Eu conheço gente que vive de fazer teatro, mas tem que fazer produção, figurino, cenário e muito mais. Eu não vivo exclusivamente disso, eu sou funcionário público e essa coisa do funcionalismo público é meio que casado com o teatro. Quando comecei a atuar, já trabalhava. Sempre fiz as duas coisas. Já pensei em largar o serviço público para trabalhar só com teatro, mas desisti. Tem muitas coisas que consegui conquistar com a atuação. Não comprei apartamento, nem carro, mas adquiri alguns bens. Não temos uma política cultual que olhe para os atores locais. O teatro promove transformação na sociedade. Se tivéssemos uma política cultural que de fato valorizasse a importância do teatro teríamos um retorno financeiro maior e conseguiríamos viver de teatro.
Sobre a valorização dos atores locais, como você avalia o cenário baiano?
Essa pergunta é complicada de responder, porque a gente batalha tanto para fazer as coisas e não vemos o reconhecimento da mídia local. Os principais veículos de comunicação não dão reconhecimento para quem está aqui fazendo teatro.
Existe uma a valorização absurda de quem vem de fora, mas quem está aqui fazendo sem dinheiro, batalhando para alimentar o circuito e acreditando no que faz, resistindo sempre, não recebe esse respaldo. Posso dá um exemplo do Bando. Nós criamos um trabalho muito forte de formação de plateia, fizemos muitos espetáculos a um real e outros de graça. Pedíamos para as pessoas escrevessem por que queriam assistir ao espetáculo, após isso entravam sem pagar. Isso fez com que as pessoas se vissem no palco, criando uma identificação. Atualmente, elas voltam pagando vinte, trinta reais. Temos uma valorização do público. O Bando é muito respeitado, as pessoas me tratam com carinho na rua, curtem nossa página, admiram os espetáculos, mas acho que poderíamos ter mais.
Muitos atores locais migram para outros estados em busca de ascensão profissional e visibilidade nacional, o que você acha disso?
Eu não tenho como julgar quem sai, quem vai em busca de outros ares, em busca de visibilidade. Eu posso falar de mim. Foi um ato político não querer sair da Bahia, querer vencer aqui. Cada um tem uma meta. Tem gente que vai para Europa, São Paulo, Rio, Minas. Cada um tem seu ponto de vista. Eu volto a afirmar que foi uma atitude política minha não sair daqui. Eu tenho essa trajetória com o Bando e nós fazemos coisas para caramba durante o ano, mesmo sem dinheiro, sem apoio. 2015 e 2016 foram anos duríssimo para nós, mas continuamos a produzir. Eu já dirigi espetáculos com atores do bando. Já fui dirigido também por eles e venho atuando em alguns filmes. Acabei de rodar alguns curtas metragens, “Dara, Última Vez Que Fui Ao Céu” e “Orun Aiyê II”. Venho criando meu caminho para ficar por aqui, para não precisar sair da Bahia.
O que representa para o Bando de Teatro Olodum a adaptação do espetáculo Ó Paí Ó para filme e série?
Foi muito positivo. Um grupo de teatro negro, baiano, entrando para o cinema de uma forma bacana como foi em Ó Paí Ó e com toda a repercussão que teve o filme acabou virando série em uma das maiores redes de TV do Brasil. Foi incrível. Não foi uma negociação fácil, foi uma negociação de mais de dois anos. Temos um retorno muito grande quando chegamos em outros estados e as pessoas nos identificam. Com certeza abriu portas e fortaleceu nosso trabalho. Tomamos consciência que o grupo é mais forte que o individual. Estamos nos preparando para fazer Ó Paí Ó 2.
O Bando formou alguns atores conhecidos hoje nacionalmente através da TV e do cinema. Lazaro Ramos, Érico Braz, Valdinéia Soriano e muitos outros. Como acontece esse trabalho de formação e o que significa a projeção desses atores para o grupo?
Qual o grupo que não queria ter o privilégio de dizer “Lazaro Ramos é cria nossa, saiu daqui, Érico Braz é cria nossa, Virgínia Rodrigues é cria nossa? ”. Existem muitos outros atores que já passaram pelo Bando e que sempre estão fazendo trabalhos conosco. Tem Edvana Carvalho, Luciana Souza, Tânia Toco, Eliete Miranda, Fábio Santos que dirige uma companhia de teatro em Londres, Valdinéia Soriano que fez a mãe de Tim Maia no filme que leva o nome do cantor. Lazaro é um cara parceiro. Todas as vezes que ele pode chamar alguém do Bando, ele chama. Valdinéia Soriano já foi fazer Mister Brown. Zebrinha esta coreografando Mister Brown. Sempre que há oportunidades ele indica o grupo, para patrocínio, para apoio, atuações. É um cara que está colado para tudo. O Braz da mesma forma, é uma pessoa presente em sua relação com o Bando. Aonde vão falam nosso nome e estão sempre nos representando.
Seu trabalho também é uma expressão política enquanto ativista do movimento negro?
Eu sou um militante da causa negra, eu sou um ativista negro, então essa vontade de estar no palco é uma expressão, é resistência. Isso o Bando me dá, por isso que não abro mão de estar no palco com o grupo. E quando sou convidado para palestras ou estou nas comunidades, sempre levo um trabalho de conscientização. No meu trabalho mesmo, como funcionário público, em contato direto com os pacientes do SUS, minha ligação com teatro me traz a concepção de ouvi-las e dar o melhor atendimento. Acredito que eles saem muito agradecidos quando veem um funcionário que os trata dessa forma.
Teatro na Bahia, por quê resistir?
Tem que resistir. está acontecendo muita coisa bacana no cenário local, várias linguagens e todo mundo trabalhando na resistência. Resistir sempre.