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África do Sul, Copa do Mundo da Fifa 2010. Notícias veiculadas por jornais da mídia mundial, como o Le Monde Diplomatique e Pambazuka News, informavam a expulsão de famílias sul-africanas de suas casas para dar lugar à construção do estádio Green Point, na Cidade do Cabo. Imagem contraposta às notícias veiculadas nas mídias televisivas e virtuais, sobre o apoio da população sul-africana às obras de infraestrutura para o Mundial. A visibilidade das práticas de desapropriação por toda África do Sul vem sendo pautada, desde 2005, por um movimento organizado por moradores de favelas locais, o Abahlali Basemjondolo. Durante a Copa 2010, o grupo conseguiu publicizar suas demandas com a construção de ambientes de mobilização e disputa. Entre as ações, estavam a realização de manifestações com o uso de barricadas em rodovias e passeatas, para denunciar a estrutura precária de suas comuni- dades, bem como reivindicar a construção de espaços educativos para os moradores locais. As atuais favelas sul-africanas representam a continuidade das políticas de segregação entre negros e brancos, estabelecidas durante as décadas do Apartheid (1948-1994). Estas comunidades são herdeiras dos Bantustões ou Homelands (espaços de moradia precária, miserável e distante dos locais onde os sul-africanos pretos trabalhavam) destinados à população negra durante os anos em que a segregação naquele país encontrava apoio constitucional. O governo sul-africano empreendeu uma política sistemática de evacuação/expulsão/retirada de famílias moradoras das áreas centrais de cidades da África do Sul, para a construção de estádios e infraestrutura específica para a realização do evento esportivo. Profundas marcas do sistema de segregação racial vigorado durante o Apartheid, com reelaborações de práticas racistas gestadas desde os primeiros anos de colonização holandesa e inglesa, nos século XVI e XIX, respectivamente.

 

Brasil, Copa do Mundo da Fifa 2014. Segundo uma projeção feita pela BDO, empresa internacional de auditoria e consultoria especializada em análises econômicas, financeiras e mercadológicas, a construção da infraestrutura para o evento futebolístico gerou um lucro de R$10 bilhões para a entidade organizadora. Mais de 170 mil famílias foram expulsas de suas casas por vezes, avisadas com um dia de antecedência. Registraram-se desapropriações no Rio, em São Paulo, Cuiabá, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre.

 

Essas centenas de milhares de famílias sem casa, sem terra, sem dignidade, fazem parte da população inade- quada deste país. Os “desapropriados”, pretos e pobres, moradores de favelas, ocupações e bairros não-planejados, são incômodos aos holofotes internacionais que aqui estiveram ávidos de imagens felizes, harmônicas e brancas (com exceção da mulata, que esteve sim, alegrando as mentalidades estrangeiras nem as baianas de acarajé eram aprazíveis). Dessa forma, reafirmaram-se os interesses da elite nacional tradicional para a manutenção do processo de exploração, marginalização e, no limite, silenciamento/morte da população preta pobre do Brasil.

 

A disputa por moradia e terra sempre foi a tônica da localização social/ racial desde que isso aqui nem era Brasil. Restringir o acesso a terra, restringe, por consequência, o acesso a moradia e possibilidades de subsistência.

 

África do Sul e Brasil. Dois territórios que vivenciaram práticas de colonização europeia estruturadas a partirde uma lógica de segregação racial – Apartheid para a primeira, Escravidão para o segundo. Que relação isso tem com as Copas do Mundo de Futebol sediadas nestes países, ou melhor, com a política sistemática de expulsão e posterior invisibilização dos negros e pobres nos dois países? Nos meses de junho e julho de 2014 a imprensa televisiva disputou as mentes e os corações da população brasileira, apaixona- da por futebol, inclusive daqueles que, expulsos de suas casas ou não, não foram aos estádios torcer pela seleção por não poderem pagar os caríssimos ingressos. 

 

 

 

 

*Graduada e mestre em História pela UEFS, Doutoranda em História Social pela UFBA e professora adjunta do IFBA.

Por Mayara Pláscido

SOMOS NÓS, FALANDO DE NÓS, PARA TODO MUNDO.

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