Por Emanuelle Góes*
Depois de 10 anos da aprovação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN – no Conselho Nacional de Saúde e de 20 anos em que o quesito cor foi introduzido nos Sistemas de Informação de Mortalidade, de Nascidos Vivos e de Notificação de Agravos, o preenchimento do quesito cor torna-se obrigatório nos sistemas de saúde no âmbito do SUS.
A Portaria n. 343 de 1º de fevereiro de 2017, Dispõe sobre o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde, sendo “a coleta do quesito cor e o preenchimento do campo denominado raça/cor serão obrigatórios aos profissionais atuantes nos serviços de saúde, de forma a respeitar o critério de autodeclaração do usuário de saúde, dentro dos padrões utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que constam nos formulários dos sistemas de informações da saúde como branca, preta, amarela, parda ou indígena.”
A inserção e o preenchimento obrigatório são reivindicações antigas do Movimento Negro, pois o quesito cor teria por finalidade identificar a situação de saúde da população para que se possa avaliar, planejar e implementar políticas de saúde.
Percorrendo em passos de tartaruga
A implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra avança em passo lentos no âmbito do Ministério da Saúde, poderíamos considerar um case de Racismo Institucional.
Pois, desde a década de 80 que o movimento de mulheres negras denuncia praticas racistas no âmbito da saúde reprodutiva. Ao mesmo tempo que na década de noventa pesquisas apontam quadros de saúde, agravos e mortes para a população negra que acontecia de forma diferenciada quando comparado aos brancos. Mesmo com o Sistema Único de Saúde que tem como princípio o acesso universal e equitativo à saúde, orientado para ações integrais, gerais e horizontais, voltadas para a população como um todo. A Política de Saúde da População Negra avança a passos lentos. Vejamos:
Em 1996 ocorre à introdução do quesito cor nos Sistemas de Informação de Saúde do Ministério.
No ano de 2004 instala-se o Comitê Técnico de Saúde da População Negra no Ministério da Saúde
Em 2005 o Programa de Combate ao Racismo Institucional é implantado no Ministério da Saúde. O PCRI é uma parceria estabelecida entre a Agência de Cooperação Técnica do Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), o Ministério da Saúde, a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial, o Ministério Público Federal, a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Que após o seu final, as ações implantadas não permaneceram.
Em 2006 a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é aprovada no Conselho Nacional de Saúde, no entanto só é instituída no Ministério da Saúde em 2009. De lá pra cá temos mais retrocessos que avanços, não conseguimos um espaço de gestão para conduzir a política, o orçamento mínimo e a comissão de Saúde da População Negra no Conselho foi desfeita e criada a Comissão de Equidade.
O racismo em velocidade máxima
Se comparar as mortes da população negra em período semelhante, observando 10 anos, só aumenta, principalmente as mortes violentas causadas pela mão armada do Estado. De acordo com o Mapa da Violência de 2015, cerca de 30 mil jovens de 15 a 29 anos são assassinados por ano no Brasil, e 77% são negros (soma de pretos e pardos).
Sobre as mulheres negras, o Mapa da Violência de 2015 mostrou que entre 2003 e 2013 as taxas de homicídio de brancas caíram de 3,6 para 3,2 por 100 mil – queda de 11,9% –, enquanto as taxas entre as mulheres e meninas negras cresceram de 4,5 para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%.
A taxa de mortalidade materna, que diminuiu de 141/100.000 nascidos vivos (NV) em 2000 para 63,9 em 2011. Entretanto ainda se observa as disparidades raciais quando compara-se a taxa da mortalidade entre mulheres brancas (35,6/100.000 NV) e negras (62,8/100.000 NV). O Brasil não alcançou a meta 5 dos Objetivos do Milênio que era reduzir a morte em 75% até 2015, isso não aconteceu porque a meta não foi desagregada por raça/cor e a PNSIPN não foi considerada.
Resistencia somos nós
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é uma política criada pelo movimento negro e pesquisadoras/es da saúde oriundo dele. O movimento negro garante a pauta e a política nas instâncias de controle social, a grande questão está na sua implementação que tem como barreira o Racismo Institucional.
A nossa insistência faz parte do enfrentamento, mesmo que estejamos em barco a vela e o racismo a motor.
Referencias
Portaria Dispõe sobre o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde. http://www.brasilsus.com.br/index.php/legislacoes/gabinete-do-ministro/12705-portaria-no-344-de-1-de-fevereiro-de-2017
Portaria que Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra - http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html
Programa de Combate ao Racismo Institucional - http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=563&Itemid=423
* Emmanuele Góes é Feminista negra, pesquisadora, enfermeira, blogueira, doutoranda em Saúde, estuda Saúde Reprodutiva das mulheres negras com o foco na Intersecção do Racismo e do Sexismo. É coordenadora do programa de saúde do Odara Instituto da Mulher Negra, e é colunista da Afirmativa.