Por Rubian Melo
Ultrapassando a capacidade da estrutura de conforto da Reitoria da UFBA, sentados nas cadeiras ou no chão, em pé, apertado, se segurando no colega, todos queriam estar lá. Para quem conseguiu entrar, os ouvidos e olhos estavam atentos para a fala de Angela Davis. A conferência “Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo” superou a expectativa do público e entrou para a história, como o dia em que a coisa ficou preta no espaço que até hoje é símbolo institucional de desigualdade classista e racista. E foi bonito ter a primeira frase de Davis: “Pra mim é assim que deveria ser a aparência da universidade”.
Ter Angela Davis falando para mulheres negras, especialmente neste 25 de julho (Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha) é bastante importante para fortalecer a nossa resistência e luta diante da atual conjuntura política, quando uma presidenta eleita é deposta do governo através de um golpe (com o Supremo, com tudo) e a cada dia nos tira direitos sociais e trabalhistas que há pouco foram conquistados. Além da atuação política no combate as desigualdades do racismo e sexismo, Miss Davis reflete criticamente o passado escravista e a atual sistema prisional, através do seu ativismo pela abolição desse sistema e a violência contra a mulher. Tema que foi discutido e teve ações denunciadas durante a conferência.
- Precisamos reagir! Ouvem-se pelas ruas, o que não estão percebendo é que já estamos reagindo, atuando e resistindo. A movimentação de mulheres negras está se fortalecendo de forma criativa e inovadora, estamos ocupando os espaços através da arte, da estética, da literatura e do empoderamento dos coletivos. Em entrevista coletiva, a Angela Davis afirma que é prazeroso chegar ao Brasil e ver os novos movimentos e as novas organizações que estão surgindo. Ela ainda reconhece a importância da comunicação entre as diferentes gerações em qualquer movimento que tenha expectativa de provocar uma mudança duradoura. “Certamente, as novas gerações têm muito a aprender com o conhecimento acumulado e a experiência de gerações anteriores, mas provavelmente e ainda mais relevante é o fato de que as gerações mais velhas têm muito a aprender com as gerações mais jovens. Porque como tenho apontado frequentemente essa é a juventude que não tem medo, é a juventude que ousa buscar o novo”. E seguindo essa valiosa dica da pantera, sigamos os caminhos seja através da estética, das artes, da academia ou das mobilizações coletivas.
O papel da mulher negra diante desse momento da história desafiando a luta pela igualdade é reconhecido de maneira global pela ativista. Para ela neste momento contemporâneo, as mulheres negras do Brasil representam o futuro do movimento. A mesma reforça em sua fala sobre o papel da liderança feminina de maneira inclusiva traz a reflexão de que agora, os movimentos populares estão prontos para novos modelos de liderança feministas e formação de liderança coletiva. Angela se diz muito feliz de poder testemunhar o desenvolvimento dessas outras formas de lideranças nos EUAS, no Brasil e outras partes do mundo. Onde as mulheres negras têm sido as protagonistas na luta contra esse sistema que está saturado de racismo. E explicita que as jovens, neste momento específico da história tem muita sorte de serem jovens, porque estão vivendo a emergência de uma consciência que já deveria ter sido desenvolvida há gerações atrás. “Esse é o papel que as mulheres negras sempre tiveram em lutas contra instituições de repressão e racistas”.
Como a própria já mencionou em sua estadia na Bahia, quando as mulheres negras se movem, toda a estrutura política e social se movimenta na sociedade. Exatamente porque estando na base, o movimento de mulheres negras desestrutura, desestabiliza as rígidas e consolidadas relações desiguais de poder no sistema capitalista.
Angela se diz impactada e impressionada com o nosso sistema educacional, chegando até mesmo a comparar com sistema de educação estadunidense, visto que temos discutido ações afirmativas durante décadas e agora pôde ver as consequências concretas. Segunda ela, A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) nos proporciona uma evidência concreta de que é possível garantir acesso à educação formal para populações que haviam sido historicamente excluídas. Isso não significa de forma alguma que os problemas foram resolvidos. Mas que, podemos alcançar resultados significativos através dessas medidas, mesmo que nós (brasileiros) continuemos engajados em lutas contra diversos tipos de opressão como a misoginia e o racismo.
Ao falar sobre o caso de Rafael Braga, Davis acredita que devemos desenvolver coalisões de âmbito internacional em busca da libertação de prisioneiros ou em busca de construirmos solidariedade para essas libertações. Davis reconhece que houve uma mobilização para exigir a sua liberdade, portanto essas movimentações por liberação de presos políticos deveriam ser continuados.
A ocupação da Reitoria da UFBA, no dia 25 de julho para ouvir Davis é a prova de que estamos acordados e de olhos abertos para o sistema opressor, e mais, estamos cansados e vamos fazer justiça, nossa vitória não será por acidente.
Obrigada Angela Davis pela força feminista negra, política, ativista e intelectual neste dia 25 de julho, fizemos história.
SOBRE A POTÊNCIA DE TER ANGELA DAVIS NA BAHIA NO DIA DA COMEMORAÇÃO DA MULHER NEGRA LATINA E CARIBENHA
29/07/2017
Auditório da Reitoria da UFBA completamente lotado para ver Angela Davis
Foto: Revista Fórum