top of page

por Amanda Dias

 

 

 O esporte sempre se reivindicou como um espaço livre, mas reflete conflitos raciais existentes na sociedade, onde o negro ainda é tratado como um corpo selvagem e primitivo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No atletismo, dos últimos 38 recordistas mundiais nos 100 metros rasos, 28 são atletas negros, inclusive o jamaicano Usain Bolt, atual recordista mundial dos 100 metros rasos com o tempo de 9,58 segundos em 2009. A marca é um pouco abaixo do limite definido pelo pesquisador e fundador do Centro Olímpico de Treinamentos Gideon Ariel, que acreditava ser humanamente impossível bater esse tempo sem romper os tendões e quebrar os ossos.

 

Os cientistas Adrian Bejan, Edward C. Jones e Jordan D. Charles realizaram estudos para descobrir as razões pelas quais os negros foram mais rápidos. O título “The evolution of speed in athletics: why the fastest runners are black and swimmers white” (A Evolução da velocidade no atletismo: Porque os corredores mais rápidos são o negros e os nadadores são brancos) que foi publicado em 2010, gerou polêmica ao concluir que diferenças entre as medidas corporais de negros e brancos tem relação direta no desempenho em seus esportes de dominância. Essa pesquisa indica que nos indivíduos negros, em média, o centro de gravidade está localizado 3% acima do que em indivíduos brancos. Segundo a publicação essa diferença poderia explicar por que negros teriam 

 

membros inferiores maiores e os indivíduos brancos teriam os troncos mais desenvolvidos. A relação entre o posicionamento do centro de gravidade entre negros e brancos daria uma vantagem de 1,5% no tempo total para os negros em provas de velocidade do atletismo, e os mesmos 1,5% de vantagem para os brancos nas provas rápidas de natação Jon Entine, jornalista e pesquisador na Universidade George Mason na Virgínia Estados Unidos, publicou em 2000 o polêmico livro Taboo: Why Black Athletes Dominate Sports and Why We’re Afraid to Talk About It (Tabu: por que atletas negros dominam o esporte e por que temos medo de falar disso). Em seu livro, um misto de ciência e estatísticas esportivas, Entine sustenta que nos esportes, negros e negras tem uma vantagem genética. Comparado com brancos, negros tem quadris mais estreitos, ombros mais largos, menos gordura corporal e mais massa muscular. Segundo ele, negros também teriam de 3% a 19% mais do hormônio sexual testosterona do que brancos ou orientais. Isto se traduz em mais energia explosiva, que dá aos negros a dianteira em esportes tais como boxe, basquete, futebol americano e corrida. Entre esportistas circula a opinião de que pessoas negras se desempenham melhor nos esportes porque são biologicamente mais fortes resistentes e explosivas. Discurso notoriamente influenciado pelo suposto caráter cientifico da afirmação.

 

O professor de educação física Bruno José de Queiroz afirma que os africanos apresentam maior força muscular, resistência e velocidade. Assim como Bruno, a ex pivô da seleção sub 18 de futsal de Valença Bahia, Érica Fonseca, acredita que a força física é um diferencial das meninas negras, apesar de não influenciar tanto no futsal. “Eu acho que questões técnicas influenciam mais do que exatamente de ser negro ou branco”.Os posicionamentos sobre o tema são divergentes, os argumentos utilizados por profissionais e especialistas mostram que nada é determinante. De acordo com a mestra em biologia, Diane Silva, a hipertrofia - aumento do volume muscular - “acontece em decorrência da atividade física e é uma espécie de resposta do organismo ao estímulo”. Quanto à probabilidade de ocorrer na população negra algum fator genético que torne o ganho de massa muscular mais 'fácil', Diane discorda dos estudos citados no inicio do texto. “Os genes podem existir, mas a expressão destes genes vai estar diretamente ligada a dieta e atividade física, ou seja, nem todo negro terá a mesma predisposição a desenvolvê-la” diz a mestre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A lutadora de Artes Marciais Mescladas (MMA), Marília Santos, discorda da maioria dos atletas. “O que acontece é que por ser negro e por causa do preconceito a gente acha que tem que ser melhor e se destacar mais. Não tem diferença física entre lutadores negros e brancos, a diferença está na dedicação do atleta, em quem treina mais, ou menos”. afirmou Marília Opinião parecida tem Natale Pacheco, estudante de educação física da Universidade Federal da Bahia e também atleta amadora de futsal. Para ela os negros são mais “raçudos” por terem que enfrentar o preconceito todos os dias, dentro e fora do campo ou da quadra. De acordo com a estudante, “dar um ‘gás’ maior no esporte é uma luta diária contra todo e qualquer tipo de preconceito”. O esporte, portanto, é também um espaço de conflito racial e a ciência é mais uma esfera utilizada para justificar a segregação em determinadas modalidades, escondendo problemas como a falta de financiamento para a permanência de atletas negros nessas modalidades. É o que defende o estudante de Ciências Sociais Paulo Roberto Silva. “A ciência, com o seu discurso de verdade, traz a ideia de que alguns esportes não podem ser para negros. Por trás deste discurso de ‘biologização exacerbada’ existe uma lógica racista ao extremo, que blinda algumas modalidades da presença negra”. 

 

Superando a pobreza e o fato de treinar na Bahia, fora do circuito Rio de Janeiro - São Paulo de Natação, Edvaldo Valério conseguiu chegar à elite mundial do esporte e foi diversas vezes campeão brasileiro de natação nas provas de 50m, 100m e 200m nado livre. Além disso, conquistou a medalha de bronze no revezamento 4x100 metros livres nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000. Apesar de ter garantido a medalha para o Brasil, no ano seguinte, Edvaldo perdeu metade dos patrocínios tendo de se mudar para o sudeste em busca da possibilidade de se manter no esporte de alto rendimento. A mudança não trouxe as oportunidades esperadas, a falta de reconhecimento fez com que o baiano nadasse por mais nove anos sem apoio. Em 2009 ele voltou à Salvador decidido a parar porque não conseguia patrocínio.Outro exemplo de que o esporte é influenciado por questões sociais e políticas é o caso do ex velocista Thomas Smith que tornou-se mundialmente famoso por sua vitória nos 200 metros rasos nos Jogos Olímpicos do México em 1968. Nesta ocasião, durante a cerimônia do pódio ele e seu compatriota John Carlos, ergueram os punhos direitos fechados, uma saudação do Black Power gesto que se tornou um marco na história das lutas dos afro-americanos pelos direitos civis. Por causa disso eles foram banidos dos jogos por ordem do Comitê Olímpico Internacional por ter usado o esporte como manifestação sociopolítica. Os dois atletas nunca mais puderam competir e A Federação de Atletismo dos Estados Unidos nunca colocou o nome deles no hall da fama do atletismo. O doutor em ciências sociais Osmundo Pinho explica que no esporte é atribuído ao corpo uma qualidade natural e espontânea, isso faz com que não acreditemos que ele possa ser mediado ou regulado pela cultura. Porém o corpo é produto da história e só ganha sentido em determinado contexto. “Acreditamos que negros são mais fortes e resistentes, porém são menos técnicos, por que nos ensinaram assim. Esses ensinamentos têm historia e refletem as condições de vida, passadas e presentes, da maioria das pessoas de pele escura no Ocidente moderno”. Ainda segundo Osmundo, o racismo, que é parte integrante da estrutura social, influencia as representações sobre o corpo. Para ele o racismo permeia toda a experiência do corpo negro na diáspora moderna, não sendo natural ou fruto da biologia, mas sim resultado e “arena da própria história”.

SOMOS NÓS, FALANDO DE NÓS, PARA TODO MUNDO.

bottom of page