por Alane Reis
Valdélio Santos Silva é cientista social, mestre em sociologia e doutor em Estudos Étnicos e Africanos. Militante estudantil, Valdélio liderou em 1975 a histórica greve de estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba) pelo fim do jubilamento. Nos anos de 1990 participou da Coordenação Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU).
O currículo do professor e ativista do movimento social negro é longo, mas o episódio que mais marcou sua vida acadêmica e política foi, sem dúvidas, a atuação como relator do projeto de cotas raciais da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em 2002. Sistema adotado posteriormente por diversas universidades brasileiras e instituído oficialmente em todo país pelo Superior Tribunal Federal (STF) em abril de 2012. Atualmente Valdélio é diretor do Departamento de Educação (DEDC) do Campus I da UNEB, em Salvador, onde nos recebeu para entrevista.
O movimento social negro sempre acusou a academia de ser eurocêntrica. Este argumento inclusive foi um dos que embasou a necessidade da política de cotas. O projeto inicial propunha também uma mudança epistemológica na formação acadêmica. O senhor acha que as Universidades brasileiras conseguiram se aproximar disso?
Essa condição eurocêntrica de modo geral caracteriza as universidades como um perfil filosófico. E isso virou mais um argumento para atestar a necessidade das cotas quando foram implantadas. É que a mudança não ocorre apenas com o ingresso de pessoas negras, indígenas e quilombolas na universidade. O processo não se encerra nisso, já estamos avançando em algumas áreas, aqui no departamento de educação da UNEB, por exemplo, temos algumas disciplinas voltadas para a história e cultura africana e afro-brasileira. Autores que não fazem parte do cânone da academia já compõem a grade curricular de nossos cursos.
Algumas pessoas atribuem o mérito do Sistema de Cotas aos chamados partidos de esquerda. Em sua opinião, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) tem influência neste processo?
Quem definiu o rumo das ações afirmativas não foi o PT, foi o movimento negro. O movimento negro mais preocupado com as ações de busca de poder, mas também os movimentos negros religiosos, culturais, os afoxés, e as demais formas de organização de movimento negro. São elas as principais forças para que o sistema de cotas tivesse êxito. Evidentemente que secundariamente, o PT de alguma forma ajudou e em alguns momentos dificultou também, mas os protagonistas deste processo não foram os militantes do PT e sim o movimento negro.
Hoje, quase 12 anos após a implantação das cotas na UNEB. Como o senhor avalia o processo?
Sucesso absoluto. Eu conheço a universidade em dois momentos anterior e posterior a implantação do sistema e a universidade de fato mudou sua demografia racial. Temos estudantes negros em todos os cursos e isso já é uma conquista. Em vários campi da universidade, em vários interiores da Bahia, nós temos o debate racial incentivado a partir da presença de disciplinas relacionadas ao tema. A gente ter ajudado a instaurar este debate na Bahia e no Brasil como um todo é uma enorme conquista. O sistema de cotas foi uma grande vitória para a sociedade brasileira. Com o tempo a legitimidade que o sistema ganhou vem confirmar que a nossa iniciativa estava correta.